segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Senna não é Pelé (Ainda bem!) - parte 2

Agora, comentários mais específicos sobre o artigo "Senna não é Pelé", de Ademir Luiz (AL), publicado na Revista Bula.

Para justificar o título, o autor faz duas comparações entre o piloto e jogador: entre os documentários sobre ambos, e sobre as posições que ambos ocupam nos respectivos esportes.

Segundo AL, "Pelé está absolutamente acima e foi muito melhor que todos e quaisquer outros jogadores desde a criação do esporte", enquanto que "Senna está no mesmo nível de quase uma dezena de pilotos".

Ok, é a opinião, e cada um tem a sua.

Mas, como veremos, o autor procurou defender sua opinião negando, aumentando ou inventando fatos a favor/contra Senna e Pelé.

Quem clicar no link do texto que disponibilizamos acima, verá que AL usou opiniões de Mansell, Chico Rosa, Nelson Piquet, Osamu Goto e Niki Lauda que, de alguma forma, foram contrárias a ideia de que Senna tenha sido o melhor dos pilotos ou um ser humano decente.

Porém, Primeiro, por somente ter usado críticas, o que por si só mostra o enviesamento do texto, e mostra que o objetivo de Luiz não é, de forma nenhuma, tentar analisar se Senna pode ter sido o melhor dos pilotos.

Segundo, até mesmo das opiniões críticas, o autor limita sua escolha a personagens que podem ter mudado de opinião a respeito de Ayrton -- como Niki lauda mudou, desfavoravelmente, e Ademir lembra, lógico.

Sobre Mansell e Osamu Goto, AL descartou todas as opiniões favoráveis --e foram/são várias-- e se ateve a uma crítica - no caso de Goto, não chega nem a ser uma crítica, mas uma comparação.

E quando aponta CHico Rosa, tentando dar-lhe a autoridade do conhecimento, ele esquece-se que o ex-piloto esteve próximo de Nelson Piquet em seu início, ainda nas fórmulas menores. Seria como usar o depoimento de Berger a favor de Senna como se fosse o definitivo:

Ayrton era o piloto mais perfeito e mais dedicado que já existiu. Um conjunto de percepção, concentração, força e velocidade, aliado a um talento para dirigir verdadeiramente abençoado, e à capacidade de não cometer erros nos momentos decisivos. Tinha a visão absoluta do todo, sabia tudo e podia tudo. Ele estava simplesmente dois ou três degraus acima de todos nós. Alguém que não o conhecesse tão bem ou que não tivesse trabalhado com ele provavelmente não acreditaria. Certamente, hoje na Fórmula 1 há pilotos que pensam que poderiam ter derrotado Senna. Tudo que posso dizer quanto a isso é: Que pena, eles não sabem quão distantes estão de Ayrton. Tive a felicidade de conhecê-lo suficientemente bem para fazer essa avaliação. Ele era algo sobre-natural, não há outra maneira para expressar isso!”


Mas se a ideia, que ficou muito clara da parte dele, era comparar Senna e Piquet, sugiro que se leve em conta o que disse Gordon Murray, engenheiro que trabalhou sete anos com Piquet na Brabham, e alguns anos com Senna na McLaren.

Sobre Piquet, falou:

"(...)quando você tem um piloto que você contrata jovem, e você tem condições de adequá-lo ao mesmo espírito de trabalho que o time possui, e então este piloto permanece com a equipe por sete anos, você quase sempre consegue extrair o melhor dele, e Nelson era fantástico.

[Nessas condições] Você sempre tem sucesso. Sabe, não tem como não ter sucesso, assumindo que você construa um bom carro. Porque o piloto começa com a equipe muito jovem, então ele não vem com ‘vícios’ ou maus hábitos adquiridos em outros times, ou más lembranças de outras equipes, ou carros, ou motores... Você sabe, é o piloto começando com você. E se ele permanece com você por tanto tempo, você com certeza vencerá corridas. Mas é claro que com Nelson nós não apenas vencemos corridas, como vencemos também dois campeonatos. E aquilo foi fenomenal, de verdade.

(...) Foi muito similar ao meu herói, quando eu estava crescendo, ainda adolescente, e eu corria. Eu pilotava quando tinha 19 e 20 anos de idade, correndo de carros-esporte, e meu herói era Colin Chapman. E Colin Chapman tinha uma relação muito similar com Jimmy Clark. Eu diria que minha relação com Nelson era muito parecida com a que eles tiveram. E Chapman era outro que costumava aparecer com essas boas idéias e inovações, e Jimmy Clark estava sempre pronto para guiar as novas idéias. E Nelson era assim, ele amava as novas idéias, sabe?

(...)isso demonstra todo o seu comprometimento, mas muito mais importante do que isso, eu penso que Nelson estava aprendendo. Você sabe... Tudo a respeito do carro, e por que as coisas tinham sido projetadas daquela forma, e qual o propósito sob um ponto de vista aerodinâmico... Eu acho que isso deu a ele uma condição realmente boa. Mas eu tenho que dizer, dentre todos os pilotos com os quais trabalhei – e eu trabalhei com muita gente, como Graham Hill, Niki Lauda... Todo mundo... Prost, Senna... –, ele foi aquele que realmente se integrou à equipe da melhor forma, eu acho. "

Sobre Senna:

"Mas eu acho que psicologicamente Ayrton tinha o golpe mais forte, de verdade, porque ele era um pensador muito profundo, o Ayrton. E psicologicamente ele iria começar o treino classificatório ou a corrida num nível mental superior ao que Alain Prost costumava, e é aí que eu penso que ele tinha vantagem.

Mas, novamente, ele era muito bom com os mecânicos. Ele se entendia muito bem comigo, eu tinha uma relação muito boa com ele. Não trabalhamos juntos tempo o bastante para que essa relação se desenvolvesse no mesmo tipo de relacionamento que eu tive com Nelson, por exemplo, mas ainda assim era uma relação de trabalho muito boa. E... Ele era totalmente dedicado à sua equipe, mas também à sua pilotagem. Sabe, ele nunca parava de pensar onde poderia melhorar, ele continuava trabalhando mesmo quando estava longe da pista... E eu realmente o respeitava por isso. E ele era um amigo muito próximo também... Eu... (longa pausa) Eu me dava muito bem com o rapaz...

(...)Ele era rápido, mas eu penso que o jeito de descrevê-lo muito melhor é dizendo que ele foi o piloto mais completo. Você pode ser rápido, e ainda assim não vencer muitas corridas. Porque você não é capaz de interpretar a engenharia, você tende a cometer erros, por exemplo... Ou você é rápido alguns dias e não tão rápido nos outros dias... Eu trabalhei com muitos pilotos que só são rápidos quando tudo está perfeito. E se algo não estiver como eles gostam, eles não conseguem render. E Ayrton nunca era assim. Ele era rápido sob praticamente quaisquer circunstâncias, porque ele pensava sobre tudo, ele se adaptava às circunstâncias, ou trabalhava com o time para melhorar o carro.

E ele costumava dedicar muito de seu tempo ao desempenho nos treinos de qualificação, para largar na melhor posição possível. Muito mais tempo do que a imensa maioria dos outros pilotos. Ele se integrava bem com o time, seu feedback aos engenheiros era muito bom, e ele tinha muito cuidado com a mecânica dos carros. Muito bom em relação controlar o desgaste de pneus, carro, motor e caixa de câmbio. E isso é o que eu chamo de um piloto completo. E ele era rápido também, é claro. Ele foi certamente o piloto mais completo com o qual eu trabalhei, e essa realmente foi a razão pela qual ele obteve tanto sucesso. "

Como se vê, é possível contar mentiras somente usando-se da verdade.

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