sexta-feira, 17 de julho de 2009

14 anos...

* Essa matéria também está disponível no GP Total (clique aqui para ler), com excelentes fotos da carreira de Fangio.
É tempo demais. Mais de uma década, certo? Arrisco que muitos que acompanham a Fórmula 1 hoje em dia não tinham mais de quatro anos nessa data. Uma das datas mais importantes da história da Fórmula 1. No dia 16 de julho de 1995, o britânico Johhny Herbert conquistava a primeira de suas três vitórias na Fórmula 1, justamente em seu GP de casa. Sem dúvida, um momento marcante na história da categoria.




Mas é outro João, agora na variável espanhol Juan, que maracaria para sempre aquela metade de julho. No dia 17, vem a notícia de que Juan Manuel Fangio, El Chueco, havia falecido. O grande “Maestro” lutava contra um câncer, que acabou por causar-lhe irreversíveis problemas cardíacos. Fangio tinha 84 anos de idade, completados menos de um mês antes (nasceu em 24/06/1911).
Os feitos de Juan Manuel Fangio no automobilismo são muito comentados, mas pouco analisados. É senso-comum falar do “pentacampeão” e daquele que “venceu quase metade das corridas que disputou”. De fato, tais apresentações dispensam comentários (são o que são, e pronto), mas se as analisarmos com mais calma, iremos nos surpreender – e admirar – ainda mais.
Comecemos falando do início de sua carreira, antes mesmo de existir um mundial de Fórmula 1 . A primeira corrida que Fangio disputou data de 1934: um amigo lhe emprestou um Ford 1929. Segundo contam muitas fontes, a família temia por sua segurança, e o piloto passou a dedicar-se às atividades de mecânico.
Porém, em 1938 voltaria a competir, e o faria regularmente. Uma corrida que ele venceu, em 1940, é considerada um marco em sua carreira: Foi o “Grande Prêmio do Norte”, que ia de Buenos Aires à Cordilheira dos Andes – no peru – e retornava à capital argentina. Distância total? 10 mil quilômetros. Fangio seria bicampeão argentino, em 1940 e 1941.
Em 1948 começaria a se modelar sua carreira como temos notícia hoje, quando ele finalmente conseguiu ir à Europa, financiado pelo governo de Juan Domingos Perón (além dos autódromo, não havia patrocínios como se conhece hoje).
Naquele ano, acontece seu primeiro GP com os carros que dois anos mais tarde seriam chamados “Formula Uno” (afinal, o futebol não começou na copa do mundo de 1930): em Reims, França, Fangio partiu em 11º e não completou a corrida. Porém, no ano seguinte, Fangio disputou 7 Grandes Prêmios, e venceu 5 deles.




Em 1950, é criado o primeiro campeonato mundial, e Fangio conquista um vice-campeonato, ficando atrás de Giuseppe Farina, seu companheiro de equipe na Alfa Romeo. Cada um venceu três das 7 etapas (a outra era a “500 milhas de Indianápolis”, GP do qual a maioria do grid não participava), mas Farina acabou somando 3 pontos a mais (30 a 27).
Em 1951, aos 40 anos, acontece seu primeiro título: das 7 etapas do calendário (8 com Indianápolis), Fangio chega ao pódio em 6, sendo três vitórias (uma, dividida com o companheiro de equipe). Porém, 1952 reservou-lhe supresas pouco agradáveis: uma série de problemas técnicos na Alfa Romeo o impediu de participar daquela temporada de Fórmula 1 e um acidente em Monza, em um GP “não-oficial” quase lhe tira a vida.
Fangio ficou todo o ano de 52 na Argentina, recuperando-se do grave acidente, para voltar em 1953, agora não mais na Alfa, e sim na Maserati. Nesse ano, Fangio teve de enfrentar a duríssima concorrência do italiano Alberto Ascari, campeão em 1952, que fazia com a “Ferrari 500” de 4 cilindros uma dupla praticamente imbatível (têm, até hoje, o recorde de vitórias em sequência na categoria, 9).
Fangio seria vice-campeão novamente, tendo chegado três vezes em segundo, e vencendo a última corrida, em Monza. Sobre essa vitória, há uma das histórias mais curiosas da carreira do argentino. O diretor da Maserati chega a Fangio e diz: “Fangio, temos que ganhar, estamos sempre fazendo segundo”. E Fangio rebate: “Sim, estamos sempre chegando em segundo, mas estamos ganhando a simpatia do público”.




Em 1954, Fangio inicia a temporada pela Maserati, disputando os dois primeiros GPs. Vence ambos. Nas seis provas seguintes, corre pela Mercedes (que NÃO PONTUARA as primeiras duas corridas. Ganha 4. E assim, torna-se campeão mundial pela segunda vez, mas com uma vantagem muito grande dessa vez: foram 17 os pontos de vantagem, e o piloto foi campeão com duas provas de antecipação (75% do campeonato realizado).
Em 1955, a dupla Fangio-Mercedes se mantém, e mais uma vez o campeonato fica nas mãos de Fangio que, das 6 corridas do calendário, venceu 4 e foi uma vez segundo. Sua pontuação foi praticamente o dobro da de Stirling Moss, vice-campeão: 40 a 23 para Fangio.
1956 marca o encontro de dois mitos: Fangio e Ferrari. Pela primeira vez havia o encontro da equipe e do piloto com o maior número de títulos. Até então, Fangio era tri, e a Ferrari tinha um bicampeonato no cartel. A Mercedes decidira se retirar da Fórmula 1 depois do horroroso acidente de Le Mans-1955, que vitimou dezenas de pessoas.
Foi o campeonato mais difícil dos 5 conquistados por Fangio: a dura concorrência de Moss e Collins (cada um dos três venceu duas corridas), além da maior estabilidade da Maserati, fizeram com que Fangio se sagrasse campeão somente na última corrida, por diferença de três pontos.
Mas 1957 marcaria sua “redenção” como piloto, e o colocaria definitivamente como, no mínimo, o maior piloto de sua época. De volta à Maserati (que em 1956 fora vice), o piloto vence 4 das primeiras 5 corridas, e é segundo nas outras duas – fora campeão por antecipação, mais uma vez.
Em Nurburgring, realizou aquela que talvez seja a melhor performance individual de um piloto na história da F1. Depois de perder um tempo enorme nos boxes, Fangio retorna à pista na terceira colocação, com 50 segundos de desvantagem para o líder. Começou a marcar a volta mais rápida giro após giro, e conseguiu ultrapassar as duas Ferrari na penúltima volta.
Eu nunca corri dessa maneira em minha vida, e acho que jamais tornarei a fazê-lo”, disse Fangio após a conquista.




Em 1958, já consagrado definitivamente, Fangio inicia a temporada percebendo que muitas coisas haviam mudado na Fórmula 1: a diminuição da distância dos GPs, entre outros fatores técnicos, já o desmotivavam, mas o que realmente o deixou descontente, foram a mudanças na visão do esporte: o investimento de patrocínios que logo estariam pintados nos carros, e a “voz mais alta” do dinheiro.
Além disso, a questão da idade já o afetava: Fangio abriu a temporada com 46 anos; Apenas para efeito de comparação, os três primeiros colocados naquele ano seriam Mike Hawthorn, Stirling Moss e Tony Brooks, respectivamente; Hawthorn e Moss tinham 29 anos cada, e Brooks tinha apenas 25. Outro que venceu um GP em 58 foi Peter Collins: 26 anos.
Na quinta etapa daquele ano (que pela primeira vez teria 11 corridas), Fangio enfrenta vários problemas mecânicos e, ao sair do carro, simplesmente diz: “Está tudo acabado”.


4 comentários:

Djalma Camargo Neto disse...

Acho que não tenho recursos necessários para falar da matéria e do Fangio, uma "coisa" faz elogiar a "outra".

Qualquer coisa que eu disser será pouco.

Então prefiro destacar um ponto maravilhoso da matéria:

"Alberto Ascari, campeão em 1952, que fazia com a “Ferrari 500” de 4 cilindros uma dupla praticamente imbatível (têm, até hoje, o recorde de vitórias em sequência na categoria, 9)."

Sim, é isso mesmo, senhores, leiam com atenção, a dupla Ferrari- Piloto, quase imbatível, era formada por Ferrari- Ascari!

Esse caso também não precisa de explicações.

Um dos adversários dessa "dupla"? Fangio.

Abraços

F1 Critics disse...

Fala, Djalma, obrigado pelo comentário!

Vou transcrever aqui um comentário que o Eduardo Corrêa fez, há uns 3 anos, sobre a questão "carro" na carreira do Fangio. Vale à pena.

Abraço.
__________________________________

Quanto aos carros de Fangio, elas eram de ponta - mas nem sempre.

Não se discute que os Alfa que pilotou em 50 e 51 eram donos absolutos da Fórmula 1, pelo menos até a metade da temporada de 51, quando os Ferrari passaram a disputar e depois monopolizar as primeiras posições. A superioridade da Ferrari a partir de 52 é tamanha que permitiu a Ascari vencer seis dos setes GPs da temporada e emendar mais três nas primeiras corridas de 53, chegando ao recorde até hoje intacto de nove vitórias seguidas em GPs. Em 53, pilotando um Maserati, Fangio pode apenas reduzir o prejuízo, ganhando uma única corrida, em Monza.

Em 54, ele começou a temporada com a Maserati mas já se sabia que passaria para a Mercedes tão logo os carros alemães estivessem prontos. A Ferrari em 54 inscreveu quatro diferentes modelos ou derivações de modelos em GPs, que não eram propriamente ruins mas que pouco puderam fazer contra a força absurda da Mercedes. Balanço do ano: Fangio ganhou os dois GPs que disputou com o Maserati mais quatro dos seis em que pilotou o Mercedes. Para a Ferrari ficaram as vitórias nos dois outros GPs.

A superioridades da Mercedes se repetiu em 55, uma temporada em que vários GPs foram cancelados depois do terrível acidente em Le Mans (veja minhas colunas O pior dos erros, de 5/6/2006 e 7/6/2206). Dos seis GPs, Fangio ganhou quatro e muitos acreditam que ele teria cedido, por uma questão de gentileza, a vitória na Inglaterra ao companheiro Stirling Moss, ainda que Fangio negue qualquer arranjo.

Em 56, sem a Mercedes nas pistas, ele se engaja meio a contragosto na equipe Ferrari que, naquele ano, competia com os carros criados pela Lancia. São carros bons mas não majoritariamente superiores aos da Maserati que, com Moss, luta pelo título até a última corrida. Fangio acaba campeão apenas porque seu companheiro de equipe Peter Collins decide abrir mão das próprias possibilidades de conquistar o título e concorda em dividir o carro com Fangio.

Em 57, de volta a Maserati, Fangio se vale da divisão de forças entre Vanwall e Ferrari e ganha quatro dos sete GPs do ano, incluindo na conta a legendária vitória em Nurburgring 57.

Resumindo: Fangio teve carros largamente superiores à oposição em 50 (quando foi vice-campeão), 54 (considerando, inclusive, o Maserati) e 55. Em 51, 56 e 57, diria que ele ganhou com carros bons mas não largamente superiores. Em 53, quando foi vice, tinha um carro indiscutivelmente inferior ao Ferrari.

herik disse...

Caramba, Fangio é muito mais do que a gente pensa! Quer dizer então que foram 7 campeonatos completos, 5 títulos e dois vices?

Como diria aquele mecânico da Renault, após o título de Alonso em 2005: "Schumacher who?"

Anônimo disse...

confesso que quando li 14 anos e vi o começo do texto, me assustei que estivesse falando do piloto inglês. mas aí me lembrei que no post da casa de fangio o autor disse que estaria homenageando o maestro nos próximos dias... Ainda bem! excelente matéria, muito bonita mesmo, e esse cara foi simplesmente sensacional, o maior pra mim, também. abraços