quarta-feira, 19 de maio de 2010

Mais uma dose...

Das inesgotáveis possibilidades do estudo da Linguística – uma das ciências mais complexas, apesar da aparente simplicidade –, talvez a mais me fascinante é a “Análise do Discurso”. Além de sua utilidade no campo específico das línguas, ela é de tremendo valor quando nos colocamos a investigar o que está implícito na fala de políticos, por exemplo.

Na área referida, muitos nomes se destacam. Peço licença a todos os outros para citar apenas um, o francês Michel Pêcheux.

Pêcheux foi o fundador da teoria que conecta "ideologia" e "linguagem": em outras palavras, ele foi o primeiro a teorizar sobre a materialização de um pensamento através das escolhas lexicais/gramaticais feitas por alguém. Para ele, o discurso era uma espécie de ponto de encontro das duas vertentes.

"Mas o que tudo isso tem a ver com Fórmula 1?", afinal. É que resolvemos, hoje, aplicar uma pequeníssima parcela da teoria de Pêcheux sobre o discurso de um jornalista pertencente à classe citada no último post.

Sempre antenados às informações sobre Ayrton Senna, em virtude dos 16 anos de sua morte não foi difícil constatarmos que a quantidade de matérias relacionadas ao piloto é enorme. Muitos usam da imagem do piloto para atrair leitores/espectadores/etc, seja pra louvar ou para pisar.

E o jornalista Ivan Capelli - da 'família' do Grande Prêmio - seguiu bem a segunda opção.


Já na página inicial do blog há uma foto em tamanho grande de Ayrton Senna. Abaixo, à esquerda, há outra, de Michael Schumacher. Claro, hão de argumentar que "isso acontece devido às atualizações, e sempre a matéria mais recente fica acima". Ótimo.

(Antes de continuar, é importante lembrar que o site GP, na edição de maio de sua nova revista virtual, resolveu prestar uma "homenagem" a Ayrton Senna, lembrando a data de sua morte: 16 desempenhos marcantes do piloto: 8 bons e 8 ruins - uma bela iniciativa falar de erros cometidos quando se recorda uma data especial, não? Sem contar que os comentários sobre as 'grandes' corridas foram sempre no sentido "porém, contudo, todavia, entretanto". Mas isso não vem ao caso, agora).

O texto que fala sobre Ayrton tem o seguinte título: "Pela humanização do ídolo". Já o relativo a Schumacher é chamado "No Limite da Legalidade".

Aqui já podemos começar a pensar em Pêcheux. Ambas as frases têm quatro palavras. A primeira inicia-se com a preposição "pela". Tal palavra (qual "por" e "para") indica o(a) motiv(açã)o ou proposta de algo. Já "no" (em + o) indica lugar, situação. Portanto, a principal diferença que se nota é que enquanto a segunda frase apenas localiza a ação a ser discorrida, ficando neutra, a primeira assume uma postura defensiva, pois está escrevendo em razão de determinado objeto.

"Humanização" X "Limite": o substantivo 'humanização' vem do verbo 'humanizar', que significa 'tornar humano'. Obviamente, você só torna humano algo que não o é. Já 'limite', também um substantivo, em certos casos pode ser visto como fronteira, marca (física ou imaginária) que separa dois pólos. Assim, tanto uma quanto outra palavra estão se referindo a alguma espécie de mudança ou transformação.

"Do" e "Da" (junção de "de" + artigo) são usadas para preceder os substantivos "ídolo" - palavra que pode ser também usada como adjetivo - e "legalidade" (substantivo, apenas). A palavra ídolo, em sua origem, era usada no campo religioso: lembremos que a Bíblia condena a existência de 'ídolos' do ínicio ao fim. Portanto, o "ídolo" é a materialização de algo que não é humano - como visto de ínício.

Já 'legalidade', que vem do adjetivo 'legal' (significando 'pertencente à lei'), se refere a coisas do mundo, dos humanos, do dia-a-dia, a coisas a que todos estão sujeitos.

Analisando ambas as frases, fica tudo muito claro: a sobre Schumacher quer mostrar que ele é, como eu e você, humano; a relativa a Senna quer dizer a mesma coisa: humano como nós (e o autor até explicita isso na gravata de seu texto).

"Ora, então são iguais". Aí é que vem a diferença.

Iremos usar apenas mais duas frases de cada texto, afinal, "é questão de espaço e também de tempo", como diria Lulu Santos. Não se trata de tirar citações do contexto, até porque os links estão aí e você pode lê-los na íntegra. É apenas para mostrar como a teoria de Pêcheux se aplica: a ideologia está sempre por trás das palavras.

No texto "humanizante" lemos: "Ayrton Senna é isso: um herói do esporte, tão grande quanto Oscar Schmidt ou Bernardinho. E tão humano quanto Diego Maradona." Já no "legalizante": "Como se vê, em nenhuma dessas ações Michael Schumacher e sua equipe foram deliberadamente maldosos. Apenas agiram no limite do regulamento."

Reparem: no texto que fala de Senna, Bernardinho e Oscar são usados como "grandes exemplos esportivos", e são vistos como 'iguais a Senna', para o autor. Já Maradona é usado como "exemplo de humanidade" - com sentido negativo -, seja por seu 'gol de mão' ou por seu envolvimento com drogas.

Sem questionar a grandeza pessoal de Oscar e Bernardinho, por que Maradona (responsável pelos únicos títulos da história do Napoli, campeão mundial com a Argentina praticamente sozinho, autor do maior gol da história das copas, etc) não é mencionado por seus feitos esportivos?

No caso de Schumacher, o autor, após citar diversos "erros" (como fez no texto de Senna, também) da carreira do piloto, trata de absolvê-lo de tais, afirmando que ele "não agiu com maldade", e chega a dizer, até, que tais atitudes "se não são nobres, não são de todo ilegais".

Resumindo: "Senna pode ter sido grandioso como os dois, mas também foi vil como o outro". "Schumacher pode ter feito algo pouco louvável, mas agiu nos limites". Perceberam a oposição?

E essa constante ideia de contraste nos dois textos (que seriam, juntos, mais ou menos como um músico que lança um "álbum duplo", ou então o cineasta que filma as "partes 1 e 2" de determinado filme) mostra-se inquestionável no final.

O texto sobre Senna termina assim: "Vencedor, campeão, gênio das pistas. Mas humano".

Já o de Schumacher, dessa forma: "Controverso, mas um piloto muito talentoso e inteligente".

Todo mundo sabe a função da conjunção "mas".

Certa vez, Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim (o grande 'Tom'), instado a falar sobre qual seria a diferença entre Nova York e o Rio de Janeiro, respondeu: "Lá [NY] é bom, mas é uma merda; aqui [RJ] é uma merda, mas é tão bom".

10 comentários:

Anônimo disse...

Invejosos!

Márcio Madeira disse...

Clap, clap, clap.

Se tivesse apenas a conclusão, já seria um texto pra se guardar. Nenhuma outra frase que eu conheça seria melhor para explicar a diferença de abordagens. E, por acaso, eu sempre uso esta frase do Tom.

Parabéns, meu caro.

Aquele abraço,
Márcio

Chororô disse...

textinho chinfrim,que só pode ser de mais uma viúva pagando e intelecto.se acha tão ruim, pq fica lendo os caras. vcs qeurem é ganhar comentários!

Simone K. F. disse...

Muito bacana mesmo o texto. Mas vou usar os comentários para mandar um recado ao caro Chororô, que não se sabe o motivo, não quis se identificar. Se o autor do texto quis "pagar uma de intelecto" (acho que o correto aqui seria intelectual), você quis o contrário não? A pontuação pra você simplesmente não existe. Se você acha que os responsáveis pelo blog só querem ganhar comentários, porque diabos você comentou? Só está ajudando os caras a "conseguirem o que tanto querem", não é? Por fim, repito o que você mesmo disse: se é tão ruim, porque fica lendo os caras? - ponto de interrogação indicando pergunta ;)

Fabrício disse...

Gostei bastante do texto e concordo sobre a cia. do grande Prêmio, aquele Victor Martins é outro...

Adriano Mattos disse...

Acho que vocês são Sennistas declarados (basta ver a descrição "Quem somos nós") então vocês estão sendo idênticos a Capelli e Flavio Gomes que tanto criticam. Se eles são urubus, vocês são papagaios, sim!

Anônimo disse...

Postar anônimo é muitas vezes um recurso para preservarmos a nossa imagem e não sermos perseguidos e avacalhados por pessoas como o autor do texto, que é apenas uma viúva rancorosa que não aceita admitir o show que Schumahcer vem dando em seu retorno!!!!

Simone K. F. disse...

Postar anônimo é covardia, isso sim. Tenho certeza que nenhum dos autores do blog ia perseguir ninguém por causa de um comentário aprovando ou não o que eles escreveram. E acho, caro anônimo, que a viúva aqui é você. O Schumacher morreu com a aposentadoria. Por enquanto, não vimos show nenhum ;)

Adalberto disse...

Enquanto esteve "vivo", foi o piloto que mais venceu na F-1, só isso. E o Senna morreu na pista, não volta mais (como o alemão se deu o luxo de fazer), que pena. Três anos de contrato, os mesmos três em que esteve aposentado. Em que planeta vocês vivem? São viúvas rancorosas e tão urubus quanto os citados negativamente, sempre.

Seguem as colunas deles na internet, dão importância pra tudo que eles falam, assistem corridas na Globo, e agora com essa hipocrisia barata.

Mimimimimimi, vovó, eles criticam o Senna!

F1 Critics disse...

"os mesmos três em que esteve aposentado"... Então quer dizer que o Schumacher vai correr em 2007, 2008 e 2009?

"Seguem as colunas deles na internet, dão importância pra tudo que eles falam" - essa frase serve para você, não?

Ah, Um pouco de noção do uso de elipse ia bem também.