segunda-feira, 16 de março de 2009

A Grande Vitória de Barrichello

Essa (espécie de) série que o F1 Critics vem fazendo, relembrando aquela que foi a vitória mais recheada de simbolismo de cada um de nossos pilotos vencedores reserva sempre algumas surpresas, vindas do nosso site parceiro Última Volta.
No caso de José Carlos Pace, é mais que natural mencionarmos Brasil-75 pois - o tempo não permitiu - acabaria sendo seu único triunfo na categoria. Emerson teve duas emblemáticas: a primeira das 14 (EUA-70) e a antológica Argentina-73, mas relatamos aqui sua vitória na Bélgica, 1972, pois foi lá que ele se tornou um vencedor constante.
Nelson Piquet, como vimos, a escolhida não foi a da antológica ultrapassagem na Hungria em 1986, nem a vitória da superação, Itália-1987, mas sua vitória na Austrália, em 1990, pois ter sido uma das mais convincentes vitórias de um piloto com carro inferior.
E de Senna, nem a primeira volta de Donington-93 nem a 6ª marcha de Interlagos-91, mas sim a maior invasão de pista já registrada, em interlagos 1993.
E agora é a vez de falar de Barrichello, e sua vitória escolhida não foi a singular Alemanha 2000 (um dos maiores avanço de posição da história da F-1) nem a legendária Inglaterra 2003 (a velha frase de Jackie Stewart), mas sim Suzuka, 2003.
2003 foi o melhor ano de Barrichello na F-1, e ele encerrou com chave de ouro, dando o título de construtores à Ferrari e garantindo o hexa de Schumacher.
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GP do Japão, 16ª etapa
Autódromo de Suzuka
Domingo, 12 de Outubro de 2003
por Lucas Giavoni

Michael Schumacher levou o título de 2003, seu sexto, com apenas dois pontos à frente de Kimi Räikkönen. E naquela decisão em Suzuka, o alemão tinha nove pontos de vantagem, mas quase conseguiu entregar de bandeja essa barbada. Sua exibição na pista japonesa, na qual ele terminou em oitavo, foi lamentável e ele precisou contar com dois fatores fundamentais para ficar com o caneco: sorte pelo abandono de alguns adversários e, principalmente, a vitória de Rubens Barrichello.
Kimi conseguiu reverter uma condição matemática extremamente desfavorável para conquistar seu título em 2007 pela Ferrari, em cima dos pilotos da McLaren, Fernando Alonso e Lewis Hamilton. E por pouco que ele não conseguiu façanha parecida em 2003, uma temporada que, como já foi dito anteriormente, teve um equilíbrio muito grande entre equipes e vários vencedores durante o ano.
Por mais que seja até natural enaltecer as proezas de Schumacher, o inegável senhor dos números da Formula 1, também é fato que ele muitas vezes ficava aquém de sua capacidade nas decisões. Justo ele, que nas pistas cometeu poucos erros na carreira, às vezes perdia a cabeça quando o título estava em jogo na última prova, deixando de lado a habitual frieza germânica. Foram três as oportunidades em que isso já havia acontecido antes desta nova decisão em Suzuka.
Em 1994, quando pressionado por Damon Hill na fatídica prova final em Adelaide, errou uma tomada de curva e, na iminência de ser superado, arremessou sem cerimônia sua Benetton em cima da Williams do inglês, que teve sua suspensão empenada e abandonou, dando o título ao alemão. Três anos depois, em Jerez, o roteiro foi semelhante, mas o final não.
Novamente sob pressão, Michael jogou sua Ferrari em cima da Williams de Jacques Villeneuve, desta vez saindo da pista e perdendo não só o título, como também seus pontos, cancelados pela FIA. E no ano seguinte, na final de 1998 contra Mika Häkkinen, na mesma Suzuka deste relato, Schumacher deixou o motor da Ferrari morrer na volta de apresentação, tendo que largar no fundo do grid e abandonando por ter arrebentado seus pneus em uma estéril tentativa de recuperação.


Ao relato então. O novo sistema de treinos oficiais mostrou que Michael, apesar da grande vantagem na tabela, não estava à vontade. Ele errou em sua volta rápida, perdendo aproximadamente 2,5 segundos e se encaixando apenas na 14ª posição. Räikkönen também não estava inspirado e marcou o oitavo tempo, mas por excesso de zelo com a McLaren. Enquanto isso, Barrichello superava todos e fazia sua nona pole-position na carreira, dividindo a primeira fila com Juan Pablo Montoya. O colombiano tinha lutado muito durante o ano, mas não chegando a lugar nenhum, pois errou demais e não mais tinha chances matemáticas de brigar pelo título.
Os dois ponteiros mantiveram suas posições ao apagar das luzes vermelhas, seguidos por um esperto Fernando Alonso, que pulou de quinto para terceiro usando muito bem o eficiente controle de largada de sua Renault, o melhor sistema entre os carros do grid. O espanhol superou com facilidade a dupla da Toyota, que fez um bom treino, com Cristiano da Matta em terceiro e Olivier Panis em quarto. Outro que pulou bem foi David Coulthard, lembrando seus tempos de Fórmula 3 britânica, na qual era conhecido como "Dragster Coulthard", para ir do sétimo ao quinto lugar.
Montoya, na curva Spoon, na parte oposta do circuito, passou Barrichello, que em seguida teve que conter os ânimos de Alonso, que quase o ultrapassou na freada da famosa chicane final da pista. Ao fim da primeira volta, a ordem entre os pontuáveis era: Montoya, Barrichello, Alonso, Da Matta, Coulthard, Räikkönen, Panis e Button, que largou em nono com a BAR. Schumacher ganhou duas posições na volta inicial, subindo para o 11º lugar na quarta volta. Quase ao mesmo tempo, Coulthard naturalmente abriu passagem para Kimi tentar o milagre.
As coisas começaram a ficar mais cabeludas para Michael quando ele teve uma crise de afobação na quinta volta e quebrou o bico de sua Ferrari na traseira da BAR de Takuma Sato - substituto de Jacques Villeneuve, demitido por falar muito e pilotar pouco. Obrigado a fazer um pit stop precoce para consertar o nariz da Ferrari, o resultado foi que, ao fim da sétima volta, ele era o último colocado. Não podia ficar pior. Até por isso mesmo tudo começou a melhorar dali em diante.
Na nona volta, Montoya tinha 3,3 segundos de vantagem para Barrichello, quando repentinamente parou. Uma falha hidráulica levou o colombiano a nocaute, acabando com o objetivo da Williams de, pelo menos, faturar o título entre os construtores. Este foi o começo da recuperação de Schumacher. A primeira rodada de pit stops não demorou e Da Matta, que se mantinha em terceiro, foi o primeiro a entrar, mostrando que seu ótimo tempo nos treinos foi feito com pouco combustível no tanque – o que não deixa de ser um desempenho incrível, em se tratando de uma Toyota mediana.
Barrichello e Alonso entraram juntos para o reabastecimento na volta 12, com o espanhol permanecendo atrás por pouco. A ordem dos ponteiros se restabeleceu cinco voltas depois, quando Rubinho reassumiu a ponta. E a sorte mais uma vez sorria para Michael. Alonso quebrou, saindo desolado do carro, já que sabia que estava em um dia inspirado. A esta altura, o alemão já havia recuperado várias posições, principalmente por conta da primeira janela de pits – estava em 13º naquele momento.
A partir da quebra de Alonso, Barrichello teve o absoluto domínio da corrida, que dali em diante teve poucas brigas por posição. No segundo de seus três pits, no giro 40, ele voltou ainda na liderança, mantendo um ritmo perfeito e, contrastando com seu companheiro de equipes, sem qualquer erro. Jamais foi intimidado por Räikkönen, que herdou o segundo lugar, não tinha carro para avançar e por lá se manteve, depois de fazer apenas duas paradas na corrida. A diferença entre os dois na bandeirada foi de 11 segundos. David Coulthard, também em tática de três pits, fechou o podium.

Aquele resultado sacramentava o hexa de Michael, mas não o fim de seu calvário. Ele, de fato, realizou muitas ultrapassagens simplesmente porque os outros carros não queriam ter problemas ao avistá-lo pelo espelho. Mas ele encontrou um piloto que bateu o pé e não quis nem saber disso, fazendo exatamente como em Silverstone, quando segurou Kimi Räikkönen por diversas voltas: Cristiano da Matta, que realizou uma excelente corrida, andando acima do que seu equipamento permitia e terminando em sétimo, após segurar Michael por 15 voltas.
A melhor volta da prova foi de Ralf Schumacher. Um consolo inútil para o piloto da Williams, que teve um desempenho ridículo, agravado por Suzuka ser uma pista na qual ele era tão experiente, já que parte da sua carreira de base foi feita em competições japonesas. Todos os erros ocorreram no mesmo trecho: a chicane final da pista.
Primeiro, rodou na sua volta rápida no treino oficial, tendo que largar em penúltimo. Então, na prova, Ralf quase encaçapou a Ferrari de seu irmão por duas vezes – uma na primeira volta e outra na 40ª, também vendo o mundo ao em uma disputa com a Sauber de H-H Frentzen na volta 8. Acabou em 12º lugar, uma volta atrás, tomando volta de Rubinho. Levando em consideração que Jarno Trulli dividiu a última fila com Ralf e chegou em quinto lugar, com uma Renault reconhecidamente inferior, é possível ter uma noção de quanto ele foi mal.
Michael sabia que tinha acabado de ter um dia de muita sorte. E exagerou na comemoração do título. Encheu a cara e teve um dia de astro de rock’n’roll, aniquilando seu quarto de hotel. Deve ter oferecido vários brindes enquanto arrebentava a televisão e os móveis – às quebras do Alonso e do Montoya, ao seu irmão Ralf, com quem não bateu, e ao Barrichello, que tinha lhe livrado a cara.

Resultado do GP do Japão de 2003:

1) Rubens Barrichello (Ferrari F2003-GA), 60 voltas em 1h25min11s743
2) Kimi Räikkönen (McLaren-Mercedes MP4-17D), + 11.085
3) David Coulthard (McLaren-Mercedes MP4-17D), + 11.614
4) Jenson Button (BAR-Honda 005), + 33.106
5) Jarno Trulli (Renault R203B), + 34.269
6) Takuma Sato (BAR-Honda 005), + 51.692
7) Cristiano da Matta (Toyota TF103), + 56.794
8) Michael Schumacher (Ferrari F2003-GA), + 59.487

Um comentário:

Anônimo disse...
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