segunda-feira, 2 de março de 2009

A grande vitória de Ayrton Senna

Quando falamos de um trunfo de Emerson, coloquei aqui seu GP da Bélgica em 1972, em detrimento das históricas EUA-70, Brasil-73 ou Inglaterra-75. No caso de Piquet, apresentamos uma vitória que não é a sua mais lembrada -Hungria-86, EUA-80, Itália-87 são mais reverenciadas - porém talvez seja a que mais demonstre sua força interior e seu trabalho sob pressão.
Já de Senna, é difícil escolher uma de suas 41 vitórias pois a maioria delas conteve elementos cinematográficos: o "andarilho das águas" de Estoril/1985, o "rei das ultrapassagens" de Suzuka/1988, o "possuído" da mesma pista, em 1989, o "sobrevivente" de Interlagos/1991 ou ainda o "calculista" de Mônaco/1992 e o "cirurgico" de Donington/1993.
Mas talvez sua vitória mais memorável tenha sido a sua segunda em casa, a primeira de 93, a primeira daquela McLaren do parco motor Ford.
Memorável não necessariamente pelo que realizou na corrida - onde foi genial - mas pelo que viria a acontecer depois: milhares de pessoas carregando o maior ídolo esportivo da história do país.
Vale lembrar que o carro de Senna quebrou pouco depois do piloto cruzar a linha de chegada, como acontecera ali mesmo, dois anos antes, e em Monte Carlo-92. Emblemático.
Hoje relembraremos aquele inesquecível dia 28 de março de 1993. O relato vem do excepcional fotógrafo Paul-Henri Cahier, um dos maiores nomes do jornalismo automobilístico mundial, que fotografa F-1 desde 1979. Seu site é o http://www.f1-photo.com/, e são também dele as fotos do GrandPrix.com, que publicamos aqui durante a temporada de 2008, falando das corridas.
Ele é francês, assim como Alain Prost. O relato faz parte do especial do site amigo Última Volta, dos caros Lucas Giavoni e Márcio Madeira da Cunha.
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GP do Brasil, 2ª etapa
Autódromo José Carlos Pace, Interlagos
Domingo, 28 de Março de 1993

"A última vitória em casa"
Ao término de 1992, era óbvio que a Williams-Renault era a força dominante na F1, e Senna quis pilotar para o time. Mas Prost tinha posto em seu contrato que Senna não poderia ser companheiro dele (pelo menos no primeiro ano) e Ayrton estava emperrado com uma McLaren impulsionada por um motor Ford V8 tipo cliente. Era uma situação muito difícil, e Ayrton hesitou até bem próximo do começo da temporada 1993, até finalmente decidir que sim, ele correria pela McLaren.
Ainda assim, um contrato para toda a temporada não era algo fácil de aceitar, e no caso dele mudar de idéia, concordou em ser pago corrida por corrida, um milhão de dólares cada. Mas a vida pode ser irônica, e como aconteceu, Ayrton iria ganhar cinco corridas naquele ano ao volante da pouco potente McLaren. E o GP do Brasil veio a ser o primeiro desses cinco triunfos.
Na primeira fila do grid, a Williams de Prost estava na pole, com seu colega Damon Hill ao lado, e parecia que a prova seria uma reprise da corrida de abertura, na África do Sul... Atrás dos dois carros V10 estavam os carros Ford V8 mais rápidos, de Senna e Michael Schumacher (na Benetton, com Ford de última geração). Mas à luz verde, Senna realizou uma largada perfeita, passando apertado por Hill na primeira curva.
Mais atrás, Michael Andretti, na segunda McLaren, se assustou com uma Sauber ao seu lado e colheu Gerhard Berger, de volta à Ferrari, e ambos protagonizaram um pavoroso acidente. Ambos foram escorregando em alta velocidade para a barreira de pneus da entrada do S e quando a Ferrari "quicou" na barreira, acertou novamente a McLaren, que se ergueu alguns metros de altura, rodopiando até voltar ao chão. Até hoje não se sabe como Berger e Andretti saíram ilesos.
Dali em diante, ele tentou manter o ritmo de Prost, mas na volta 11, Senna já não podia conter Hill e agora caía para terceiro, à frente de Schumacher. E então veio o que normalmente seria o fim de qualquer esperança de vitória: um stop-and-go de 10 segundos por ultrapassar em bandeira amarela caía nos ombros de Ayrton, deixando-o 45 segundos da liderança.
Mas o destino às vezes oferece alguns truques interessantes, como uma brincadeira jogada por Deus... Um aguaceiro típico e volumoso caiu sobre Interlagos, inundando a pista. Uma série de acidentes começa, com os compatriotas japoneses Aguri Suzuki (Footwork-Mugen Honda) e Ukyo Katayama (Tyrrell-Yamaha) perdendo o controle e batendo na parede dos boxes.
O caos se instala, com todo o mundo entrando nos pits para colocar pneus de chuva. Mas Ayrton, como sempre, usou uma estratégia inteligente e entrou cedo para colocar os pneus biscoito, num ótimo timing. Enquanto isso, um surpreso Alain deslizava em direção à Minardi de Christian Fittipaldi, que estava ao contrário e ficou fora da prova!
Este era um momento histórico, com o novo Safety Car da F1 entrando em ação pela primeira vez, com todos se juntando atrás dele e esperando o reinício da prova. Damon estava na ponta, com Senna atrás dele, e quando os carros foram liberados, Ayrton agiu rapidamente, em seu modo fenomenal e ousado; a multidão rugiu com excitação assim que ele passou Hill no Laranjinha, à direita, ainda com pista molhada, e com esta manobra maioral, tomou a liderança!

O resto é história, e quando foi dada a bandeira quadriculada, os fãs brasileiros invadiram maciçamente a pista de Interlagos: a alegria estava pulsando no coração de todos os paulistas, e parecia carnaval nas tribunas principais! Ayrton tinha vencido! E como um bônus, era também um momento histórico em forma da centésima vitória da McLaren em Grandes Prêmios.
No pódio, Ayrton estava magnífico, cheio de intensa emoção e compreensível orgulho. Ele também estava em boa companhia boa: o herói dele, o pentacampeão Juan Manuel Fangio, estava lá no pódio, pra lhe dar o troféu do vencedor; eles deram para um ao outro um caloroso "abbraccio", e havia lágrimas nos olhos de Ayrton; aquela vitória deve ter tido gosto muito, muito doce. Era a segunda vitória em casa, que viria ser também a última...
Indiferentemente, com esta primeira vitória campeonato de 1993, Ayrton estava a caminho de provar a todos que ele era o melhor de todos os pilotos; melhor só em outro planeta. Simplesmente ninguém poderia ter feito o que ele fez na que foi sua última temporada na F1, e quem teve sorte o bastante em tê-lo visto dirigir a pequena McLaren MP4-8 durante aquele ano, nunca esquecerá do brilho de Ayrton "Magic" Senna.


Resultado do GP do Brasil de 1993:
1) Ayrton Senna (McLaren-Ford MP4-8), 71 voltas em 1h51min15s485
2) Damon Hill (Williams-Renault FW-15C), + 16.625
3) Michael Schumacher (Benetton-Ford B192B), + 45.436
4) Johnny Herbert (Lotus-Ford 107B), + 46.557
5) Mark Blundell (Ligier-Renault JS39), + 52.127
6) Alessandro Zanardi (Lotus-ford 107B), + 1 volta

4 comentários:

Unknown disse...

Brilhante, essa vitória foi brilhante. Eu gosto muito do Rubinho, discordo de quem fala mal da carreira dele, mas acho, sinceramente, que as críticas que recebeu (e recebe) em grande parte são pelas atuações no Brasil, que, talvez, por uma falta de confiança dele mesmo (o que é crucial em esportes a motor), não foram boas de uma forma geral, sinceramente, independentemente de problemas de carro. Em se tratando de GP's do Brasil (seja Interlagos ou Jacarepaguá), os pilotos brasileiros de ponta mostram de fato uma garra sobrenatural, mesmo quando o equipamento é muito pior, caso de 93, e TALVEZ tenha sido isso que faltou ao Rubens. Me desculpe quem discorda disso mas sei lá, acho que procede.

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Oi, Henrique.

prazer recebê-lo aqui, mais uma vez. Volte sempre.

Quanto ao que você disse, sorbe Barrichello, concordo em parte.

Muitos analistas apontam como o grande erro da carreira de Rubinho ter feito o GP Brasil de 1995 com um capacete pintado como era o do Ayrton: ele teria "assumido" o posto de novo herói do automobilismo nacional.

Não sei se é por aí, mas fato é que Barrichello havia pontuado no GP Brasil de 1994 (fôra o 4º) e só voltaria a fazê-lo em 2004, quando foi terceiro! Isso significa que, entre 1995 e 2003, Rubens sempre abandonou.

Realmente, se olharmos os números (16 GPs, um terceiro, um quarto e um sexto lugares) realmente é difícil de entender a relação Barrichello-Interlagos. Mas havia algo de estranho nisso tudo... E é aí que eu quero fazer uma "ressalva" ao seu comentário:

Barrichello conseguiu largar em segundo, em 1996, mesmo aquele tendo sido o pior de seus 4 carros Jordan; Em 1999, com a Stewart, largou em terceiro, e chegou a liderar a corrida.

Mas creio que suas duas corridas mais fantásticas foram as de 2002 e 2003: na primeira, ele foi apenas 8º, no grid, mas chegou rapidamente à 1ª posição... sua Ferrari quebrou [problema hidráulico].

Lembro-me bem da cena de Rubens retornando aos boxes e fazendo sinal para a torcida, girando o dedo indicador, como quem diz: "Ano que vem..."

E a confiança era tremenda. Em 2003, ele faz uma pole magnífica - vale lembrar que naquela altura ele estava à frente de Schumacher na tabela, e vinha numa melhor fase, certamente -, acaba perdendo a primeira posição, em alguns momentos - muita chuva, ele tinha de trocar pneus, mas a retoma de modo seguro, e caminha para uma vitória sensacional.

Na volta 46, Rubens marca a melhor volta, em 1min22s032. Para se ter uma idéia, a segunda melhor foi de Coulthard, em 1min23s132. Exatamente 1s1 acima do tempo de Rubens. Schumacher havia abandonado [rodou sozinho] e, com a vítória, BArrichello abriria 10 pontos de vantagem sobre o alemão [18 a 8].

Então, aquelas coisas inexplicáveis sucedem: pane seca, na volta 46! Como explicar isso, amigo?... Barrichello ficou sentado no gramado, por um bom tempo...

Mas, em 2004, lá estava ele de novo [a corrida passou a ser no fim do ano...] na pole. Pela primeira e única vez na carreira chegou ao pódio em interlagos, a vitória não veio por erros de estratégia/avaliação: a corrida começou com sol, na hora da chuva, houve erros de ambas as partes, e Rubens/ferrari perderam mais aquela.

Em 2005, ele foi sexto. Depois, nunca mais pontuou.

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Djalma, chorei de rir com sua observação do maluf. Essa entrou pra história, bicho. Valeu!

Concordo com o que você disse, sobre o chocolate no alemão, e digo mais: observe nos tempos de final de prova que ele ficou apenas 1 segundo na frente de Johnny Herbert, com a PÉSSIMA Lotus. E por pouco o alemão não perde. Confira esse vídeo:

http://www.youtube.com/watch?v=7WOQ6U88I1w

abraço!

Unknown disse...

Olá Pilatti,

Obrigado por considerar meu comentário. A propósito, seu blog é muito bom, por isso procuro visitá-lo sempre!
Eu não tenho dúvidas de que o Rubens correu bem no Brasil em diversas ocasiões. Eu já havia comentado com o Cássio que os pilotos brasileiros, além de tudo, são grandes acertadores de carros... e o Rubinho não é diferente. Pelo contrário, talvez tenha sido o maior acertador de carro de sua época, e no Brasil também não foi diferente, o que com certeza ajudou nas suas boas atuações como a de 99 com a Stewart, já que em Interlagos o acerto de carro é fundamental. E concordo com todas as suas ressalvas.

O que eu quis dizer com falta de confiança é que eu pelo menos não me recordo de o Rubens bater no peito e falar "eu vou com tudo no domingo, pode esperar povo brasileiro". Eu entendo perfeitamente isso, todos nós teríamos essa falta de confiança após anos de insucesso dentro de casa, ainda mais ele, que sempre levou pancada. Mas eu acho que ele somente teria confiança com o carro em suas mãos quando tivesse a certeza de que a galera que lotava Interlagos estivesse realmente torcendo pra ele, e não desconfiada, o que nunca aconteceu com Senna e Massa. Supondo que tudo tivesse ainda sim sido da mesma forma, mesmo com discursos de confiança e pedidos ao povo brasileiro que também confiasse nele, o público em geral realmente entenderia que os problemas foram DO CARRO, e não DO AZAR DO RUBENS, consegue entender? Por exemplo, aos olhos do povo brasileiro a Ferrari seria a única culpada pela pane seca, mas o que acabou marcando foi a cena "ridícula" do Rubinho tentando "pescar gasolina", no jargão popular. É por isso que, no fundo, eu acho que tenha faltado confiança no Rubinho, chamar a responsabilidade. Foi isso que eu tentei explicar no comentário anterior, entende?

Continuem com os posts de vocês, são excelentes! Abraço

P.S.: Eu havia falado com o Cássio uma vez para que vocês um dia fizessem um tratado sobre a tal história do "set de pneus defeituoso", que é a explicação que o Burti e o Galvão gostam de dar quando um piloto vai mal em um trecho da prova rsrs. Eu e o Cássio somos engenheiros mecânicos, já estudamos sobre confiabilidade de materiais, controle de qualidade em setores de produção e suas regras rigorosas, e um dia discutimos que essa história é, no mínimo, de se desconfiar, ainda mais quando se trata de fornecedores para a fórmula 1. Converse com o Cássio sobre isso, é interessante.