quinta-feira, 8 de março de 2012

Dia Internacional da Mulher

Em homenagem ao dia das Mulheres, um texto de Luís Fernando Ramos contando a história que "Elas" fizeram na Fórmula 1.
Elas

Em meio à ressaca da etapa de abertura da Fórmula 1, esta notícia passou quase desapercebida na última semana: a Jaguar propôs à irlandesa Sarah Kavanagh um trabalho como piloto de testes. Seria um programa a longo prazo, com Sarahcorrendo neste ano na F-3, em 2005 na F-3000 e, finalmente, testando o Fórmula 1 da equipe em 2006. Meio caminho andado para, um ou dois anos depois, estrear na categoria como titular.

Seria uma boa oportunidade de voltarmos a ver uma mulher pilotando na F-1, não fosse por dois detalhes. Primeiro: a irlandesa estaria com 33 anos em 2007, uma idade muito avançada para uma estreante. Segundo: a proposta da Jaguar exige que a piloto traga para a equipe um milhão de euros. Dá para ver claramente que a intenção da equipe não é exatamente de levar alguém do sexo feminino para a categoria máxima do automobilismo mundial. Trata-se na verdade de um golpe de marketing, ainda por cima faturando algum dinheiro com isso. Safados, estes ingleses.

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É uma pena. Em mais de 50 anos de Fórmula 1, apenas duas mulheres disputaram um Grande Prêmio: as italianas Maria-Teresa de Filippis, em 1958, e Lella Lombardi, em 1975. Para quem gosta de estatísticas, isto representa 0,3% entre todos os pilotos que já correram na categoria. A explicação mais comum para esta participação insignificante é sempre de ordem física: as mulheres são mais frágeis e têm dificuldades para suportar o esforço envolvido na pilotagem de uma máquina tão potente. Uma bobagem tão grande quanto achar que Alex Yoong é melhor do que Michael Schumacher.

Quem prova isto é a pioneira Maria-Teresa. No GP da Bélgica de 1958, a italiana cruzou a linha de chegada em décimo-lugar após completar 310 quilômetros num circuito exigente como Spa-Francorchamps – que tinha o dobro da extensão do traçado atual. Atingiu velocidades acima de 270 km/h com sua Maserati 250F (com pneus finos e sem cinto de segurança) e terminou a prova no mesmo estado de seus companheiros homens. “Nunca tive nenhum problema físico, apesar de ter na época os mesmos 49 quilos que tenho hoje”, comenta a senhora de 77 anos, que ainda participa eventualmente de corridas de carros antigos.

As desculpas mascaram a falta de espaço que as moças disfrutam neste mundinhochauvinista chamado automobilismo. Se no Kart o preconceito já é latente, o que dizer da Fórmula 1, onde recepções calorosas só são reservadas à mulheres com meio litro de silicone nos seios? “Antes da minha estréia na África do Sul, não me deram a chance de fazer um único teste. Nem mesmo um molde de banco eles fizeram”, reclama Giovana Amati, a última a tentar se qualificar para um GP de F-1, em 1992 com a Brabham.

Quando a italiana chegou à categoria. era mais famosa por ter tido um caso com Niki Lauda do que por suas qualidades ao volante (olha o chauvinismo aí de novo). Marcou tempos ridiculamente piores que os do companheiro Eric Van de Poele, mas há quem acreditasse que faltou apoio para Amati. “É uma das mulheres mais malucas que eu conheci. Ele tinha a pegada necessária para se manter no circo, era mentalmente forte. Mas teve de sair da F-1 por motivos financeiros”, opina o ex-piloto e comentarista Christian Danner.

Como Giovanna, outras duas moças também tentaram sem sucesso se classificar para uma corrida. Ou melhor, uma delas até conseguiu, mas não entrou para a história. Desiré Wilson largou no GP da África do Sul de 1981 em 15° lugar, três posições apenas atrás do companheiro na Tyrrell Eddie Cheever e ao lado da McLaren de John Watson. Abandonou a prova após 51 voltas, mas a corrida acabou sendo desconsiderada do Mundial devido à briga entre a FISA (de Jean-Marie Balestre) e a FOCA (de Bernie Ecclestone – use a ferramenta de busca do GPtotal para saber mais).

Um ano antes, Wilson venceu uma corrida da série Aurora em Brands Hatch, batendo pilotos que estabelecidos na F-1 da época, como Eliseo Salazar e Guy Edwards. Para quem não sabe, esta categoria utilizava modelos que tinham acabado de ser descartados pelas equipes da Fórmula 1. O da piloto sul-africana era um Wolf WR3, utilizado por Jody Scheckter em 1978. Ainda em 1980, Desiré ficou em último no qualifying do GP da Inglaterra, mas apenas meio segundo atrás de um certo Keke Rosberg e a um segundo do então campeão mundial Scheckter.

Quem completa a lista feminina é Divina Galica, uma inglesa que veio do esqui e tentou três classificações nos anos 70, sem sucesso. Hoje, vejam só, ela é instrutora de pilotagem na Skip Barber Racing School, uma das mais conceituadas do mundo.

Os pontos em comum na história destas cinco mulheres na Fórmula 1 são a falta de equipamento competitivo e a chance restrita que tiveram para mostrar suas credenciais. A única a marcar pontos foi Lella Lombardi, com um sexto lugar no confuso GP da Espanha de 1975. A prova foi interrompida no meio após um acidente com o piloto Rolf Stommelen que matou cinco pessoas. A italiana levou meio ponto para casa em sua segunda e última corrida na categoria. “Lella sempre ganhava o pior motor, o pior jogo de pneus. Ela era tecnicamente boa, entendia de mecânica, mas a March simplesmente a destratava”, relembra seu companheiro de equipe Hans Stuck.

Já é hora da Fórmula 1 rever seus conceitos. No início dos anos 80, a Audi deu um carro de fábrica para a francesa Michèle Mouton disputar o Mundial de Rali. Ela venceu quatro etapas e foi vice-campeã mundial em 82. Outro exemplo é o da alemã Jutta Kleinschmidt, campeã do Dakar em 2001, quando contou com apoio total da Mitsubishi. Um exemplo de que apostar no profissionalismo pode dar resultados, sem estas bobagens de “sexo frágil”.

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Mudando de assunto, mas mantendo a indignação: desde que comprou os direitos de transmissão para o Brasil, a Globo (via Globosat) vem tentando empurrar a Nascar goela abaixo dos fãs de automobilismo. Me desculpe quem goste, mas temos aqui o maior engodo do automobilismo mundial. As corridas são absolutamente artificiais (zilhões de bandeiras amarelas, 600 quilômetros de corrida sendo que só os últimos 100 valem alguma coisa) e a categoria é cheia de enganadores.

Vejam só que incrível história para ilustrar isto: há algumas semanas, na Carolina do Norte, apenas 37 pilotos estavam inscritos para um grid de 43 carros. Isto abriu espaço para o retorno de Joe Ruttmann, um vovô de 60 anos de idade que disputara sua última corrida na Nascar em 1995. Ele fez apenas a volta de classificação (ficou em último entre os que marcaram tempo) e passou os treinos livres basicamente sentado nos boxes, porque não dispunha de uma equipe de mecânicos. Exatamente por isto recebeu a bandeira preta de desclassificação logo na primeira volta da corrida. Vocês acham que ele se importou? Que nada! Pegou o cheque de 54.196 dólares do último lugar e foi prá casa feliz da vida. Depois falam que não existem dinheiro fácil...

Luis Fernando Ramos

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