quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Outros tempos...

Stirling Moss disse, em entrevista essa semana, sobre a punição a Lewis Hamilton: "a F-1 não é mais um esporte e isto é uma das piores coisas que você pode dizer".
Não. Não vamos voltar à discussão sobre se foi justo ou se teve um "quê" de política envolvido. Mas é que essa frase, dita por um dos melhores pilotos de todos os tempos, me bateu uma certa nostalgia, e me fez novamente cair naquela dualidade que cerca os amantes de Fórmula 1: "afinal, isso que amamos é esporte ou negócio?"...
Não estou falando apenas de decisões arbitrárias da federação que influem no campeonato, nem da influência do dinheiro acima de outras questões primordiais naquilo que caracteriza um esporte de verdade.
Me refiro a uma espécie de clima, de sensações, de memórias... de saudade. Isso mesmo, saudade. Como quem sente saudade da infância, das grandes descobertas da vida, de alguém, de um lugar... A Fórmula 1 de hoje não me parece ser algo que nos remeterá a isso dentro de 10 anos, por exemplo.
Junto à frase de Moss, acabei (re)lendo essa coluna do meu amigo Eduardo Corrêa, do GP total: o nome é bem sugestivo: Saudades. Foi escrita ao fim da temporada de 2006. Quem puder, leia, pois é simplesmente maravilhosa, e traz imagens sensacionais.
Cito um trecho curto: "Saudades de ver os pilotos de Fórmula 1 almoçando de quentinha, sentados sobre caixas de ferramentas, os macacões arreados até a cintura para aliviarem o calor. E tomando uns goles de vinho, porque ninguém é de ferro".
É a isso que estou me referindo: um clima muito mais amistoso, humilde, sem afastamentos, proibições, luxos, ostentações... um tempo em que a corrida, o pé embaixo, o cheiro de gasolina, os roncos dos motores, tudo isso era o espetáculo em si, e não apenas parte dele - como é hoje.
Não quero soar chato, nem repetitivo, muito menos moralista. Mas, sim, eu tenho saudade.
"Naquele tempo", obviamente, não havia decisões controversas da FIA de modo a sugerir que este ou aquele piloto, aquela equipe ou outra, deveria levar o título, pelo menos não de modo calculado - mas isso não é o mais importante.
Acontece que naquela época não havia brigas para fazer propaganda de cigarro impedindo que se realizasse o GP da Bélgica em duas temporadas; Não havia nenhum Herman Tike (sei lá como se escreve) para simplesmente "mutilar" uma das melhores pistas da história (Hockenhein); Nem tampouco havia invenções de Grandes Prêmios em lugares onde a Fórmula 1 tem o mesmo peso de um show de calouros; Não havia pilotos que não poderiam nem tirar carteira de motorista e enfiam milhões de dólares numa equipe pequena roubando vagas de talentos promissores...
Quem acompanha o nosso blog deve ter visto, por exemplo, a parte final do especial dos "pódios brasileiros", onde há uma imagem do GP dos EUA de 1991. Naquele pódio estavam juntos 3 dos maiores pilotos da história da Fórmula 1: Nelson Piquet, Alain Prost e Ayrton Senna.
Quem estava lá para premiá-los era ninguém menos que Jean-Marie Balestre, o "todo poderoso", o Bernie Ecclestone da época. E o que vimos foi Senna e Piquet tirando sarro do "chefão": Ayrton fingiu estapeá-lo, enquanto Piquet lhe fez chifrinho e desarrumou a gravata.
Genial. Aquele pódio foi uma cena absolutamente emblemática, pois parecia estar sendo decretado o fim de uma era: não, não falo do simples fato de 3 monstros sagrados estarem reunidos pela última vez - coisa que dificilmente se repetirá -, mas que ali se decretava o fim do romantismo na Fórmula 1.
Tudo bem. Eu sei que nos anos 50 já havia ordens de equipe para trocas de posições e que no fim daquela década Fangio abandonou as corridas porque "percebeu que as coisas haviam mudado" (falando do dinheiro investido na produção dos carros); sei também que já nos anos 60 era possível ver carros pintados com marcas de patrocinadores, e que já exisitiam mentiras e omissões sobre mortes de pilotos nas pistas...
Mas, sei lá, eu acho que a Fórmula 1 era mais "pura". Ainda era um esporte. Foi isso que despertou as paixões de tanta gente ao redor do mundo. E que nos faz continuar acordando todos os sábados e domingos pela manhã para acompanhar pilotos acelerando por uma ou duas horas...
A Fórmula 1 era antes uma paixão, misturando desafio e idealismo, e não um meio de se obter dinheiro, de conquistar poder, e de "maquiar" resultados...
O que dizer, meus amigos, de Berger largando no GP da Austrália de 1988 com pouca gasolina, passando todo mundo em poucas voltas, e depois provocando uma batida com um retardatário para não perceberem a pane seca? Tudo isso porque ele tinha um vôo marcado antes do término da corrida! E o que dizer sobre o novato Jean Alesi dando de besta (no bom sentido) pra cima de Senna em Phoenix-90?
E que tal Nelson Piquet desmaiando no pódio do GP do Brasil de 1982, porque o capacete estava muito apertado e abafou-o? E Senna com as luvas rasgadas e furadas após o GP da Bélgica de 1988 (ver a imagem do nosso perfil) ou sem conseguir erguer o troféu de tanta dor no Brasil-91? E Prost derrubando o champagne no pódio? E Mansell cortando a mão com um troféu? E o mesmo Mansell, no GP dos EUA de 1984, desmaiando ao empurrar o seu carro que travara o câmbio para tentar completar a corrida?
E Prost, fazendo o mesmo na Alemanha em 1986, quando ficara sem gasolina, e levou seu carro até o sexto lugar para poder vencer o título no final do ano por dois pontinhos? E Senna pegando carona com Mansell no GP da Inglaterra de 1991 porque abandonou na última volta? E Jack Brabham, nos Estados Unidos-59, garantindo o título ao empurrar seu carro para um quarto lugar?
E que tal o Marquês de Portago, nos anos 50, ou os Condes Von Trips, anos 60, e Dumfries, anos 80 - esses títulos não são simples eufemismsos - disputando corridas? E milhares de mecânicos e jornalistas atravessando a pista de Monza logo após a largada em 1972? E Piquet dando um arroto no meio de uma entrevista coletiva nos anos 80? E Ronnie Peterson autografando o seio de uma fã no paddock do GP de Mônaco (não lembro exatamente o ano) em meados dos anos 70? E James Hunt comemorando o título de 1976 com uma "latinha"?
Sabemos que essas cenas são absolutamente inimagináveis nos dias de hoje, e não será que hoje em dia esses caras seriam multados, desclassificados, punidos, etc?
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Vou deixar os amigos com uma foto que me impressionou muito, e que, a priori, foi o que originou a idéia de escrever essa coluna:
Grande Prêmio da Argentina de 1960. Ao fundo, vê-se o piloto Roberto Bonomi, argentino, na única prova que disputou na Fórmula 1, pilotando um carro da "Scuderia Centro Sud". À frente, Harry Schell, piloto norte-americano, dirigindo a famosa Cooper que nesse ano daria o bicampeonato a Brabham. Reparem, olhem bem, nesse 'fiscal de pista' jogando-lhe água, e o piloto com a boca aberta esperando engolir alguns mililitros... Essa imagem é tão chocante quanto emocionante. A Fórmula 1 tinha um ar de "Maratona de São Silvestre", e os pilotos ficavam enfurnados em seus carros por duas horas e meia de corrida, debaixo de um calor imensurável, e vencer muitas vezes significava "resistir mais"...
Pois quando eu vi essa foto lembrei que, esse ano, a imprensa inglesa reclamou de uma suposta "falta de fornecimento de água" a Lewis Hamilton no GP da Malásia: "Lewis sofre tortura de água", afirmou o "The Sun"."Lewis Hamilton briga com a desidratação", continuou o "The Times". "Lewis não tem sorte. Nem água", destacou o "The Evening Standart". E o "Daily Mirror" afirmou que o inglês não tinha "nada para beber", mas "andou carregado"...
Coitadinho, né? E se eles vissem essa foto?...
Saudades.

8 comentários:

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

essa e outras colunas deveriam estar postadas e publicadas como
"O que voce precisa saber de f1"
Parabéns ao blog
parabéns ao blogueiro

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

com certeza era melhor... os pilotos eram pilotos, não robôs...

Gérman Herrera disse...

Muy buen texto, sin comentarios!

Cambiando el tema, ahora para la libre formación de Singapur, se que mañana tendremos una sorpresa francés y español, Alonso con su Renault?
Espero que esta carrera es que Alonso hizo su podio. ¿Quién sabe una victoria?

Anônimo disse...

acho que a F1 perdeu tudo que havia de charme quando aboliram os motores turbo...

Anônimo disse...

Roberto Carlos certa vez disse:

"Eu me lembro com saudade
O tempo que passou
O tempo passa tão depressa
Mas em mim deixou
Jovens tardes de domingo
Tantas alegrias
Velhos tempos
Belos dias..."

Esta música pode ser uma referência para esses "outros tempos" da F-1. Sem dúvida foi uma época, que, pode-se dizer mais simples talvez, mas que era bom de acompanhar. A década de 80, que para mim foi a melhor em termos de pilotos e também de espetáculo (nas pistas), era uma época sem muitos protocolos a serem respeitados, assim como no começo da década de 90. Hoje o que se vê são regras daqui ou acolá.

Mas o bom é que nós podemos relembrar esses tempos que passaram.

Um abraço.

Balista disse...

Certamente os tempos eram outros, e as características muito diferentes. Algumas cenas são emblemáticas, como Mansell empurrando o carro, ou o pódio do GP dos EUA em que Piquet e Senna tiram sarro de Balestre. Além disso, sinto falta de coisas pontuais mas que de certa forma caracterizavam a F1 daqueles tempos. Por exmeplo, a bandeira verde passando no fundo do grid, antecedendo a largada feita com luzes vermelhas e VERDES. E as placas indicando a contagem regressiva para a largada, que fim tiveram? O William observou bem, hoje em dia temos muitas regras, regrinhas, regronas, que enchem o saco. O sistema de treinos classificatórios, por exemplo, é tão ilógico que a Globo se vê obrigada a explicá-lo em todas as transmissões.

Por outro lado, devemos reconhecer a melhora gritante que a F1 teve em alguns aspectos. As câmeras onboard, por exemplo, são infinitamente superiores às de 15 ou 20 anos atrás, o que para nós é ótimo. Além disso, existem muito mais câmeras espalhadas pelos circuitos, proporcionando uma cobertura melhor da corrida, bem como uma melhor transmissão (exceto em alguns países inexperientes nas coberturas, como a China). Outra coisa que não tem comparação com as outras épocas é a qualidade e quantidade de informações dispóníveis na tela. Obviamente, este lado bom que ressalto é muito mais devido aos avanços tecnológicos do que ao avanço do esporte, mas pelo menos o produto final que recebemos foi muito bem produzido.

O ideal seria termos as transmissões atuais com o clima até certo ponto amador das corridas antigas, mas já não sei se isso é possível.